sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Passagem pela Reserva Indígena.

Saio de Rorianopolis em direcção de Manaus - distância: 470 km. Encho novamente o depósito de combustível, mas desta vez com gasolina “contaminada”. A baixa “octanagem” desta gasolina transformou esta travessia num inferno. Os injectores acostumados a gasolina da Venezuela, com 91 octanas, sofrem com a mudança da gasolina do Brasil, com apenas 70, misturada com álcool e a um preço impressionante… 2,72 reais o litro, um verdadeiro assalto!
Com a moto aos soluços, com uma viagem complicada pela frente e com o mito instalado a volta da Reserva, restou-me rezar e pedir que conseguisse chegar a Manaus são e salvo… a moto logo se vê!
A progressão da moto é medíocre mas procurei não forçá-la nem sobreaquecê-la. Ao apertar a embraiagem nas reduções de velocidade, a mota desligava constantemente… que terror!
Quarenta km antes da Reserva encontro a linha do Equador… o GPS não falha e as imagens assim o confirmam. O calor é abrasador!




Arranco do ponto zero para sul e após 30 minutos de viagem avisto ao longe a entrada da Reserva Indígena da tribo dos Waimiri Atroari.


É um percurso de 124 km com uma estrada horrível em plena selva tropical com animais selvagens, vegetação verde, densa e com paisagens surreais.

Esta reserva alberga uma população com cerca de 200 indígenas, onde mantêm as suas tradições, apesar de se encontrarem “occidentalizados” de mais para o meu gosto. Não se pode parar, filmar nem fotografar. É muito restrito e quem não cumprir as leis, poderá sofrer represálias.



Arrisque e parei várias vezes, fotografei e filmei… nada me aconteceu. Vi alguns indígenas mas não tive oportunidade de fotografa-los, foi pena!


A estrada é um caos, toda esburacada, por vezes de alcatrão e com buracos abissais, todos tapados com água barrenta das chuvas torrenciais.

A humidade é alta e o calor abafa. Bebi mais de 3 litros de água em menos de 3 horas.
Passada a reserva decido continuar directo até o meu destino sem parar, tenho de chegar cedo para resolver o problema da moto.
Ao chegar fiquei pasmado, tinha uma ideia errada de Manaus… pensava que era uma cidadezinha um pouco maior que Boa Vista… Errado!
Manaus é uma metrópole com cerca de 2 milhões de pessoas, bastante industrializada e movimentada. É a capital do estado do Amazonas e o ponto de partida para a descoberta da selva. A cidade fica na confluência dos dois maiores rios do mundo – o Solimões (designação do rio Amazonas neste troço) e o rio Negro. O rio Madeira corre a jusante de Manaus e será o meu companheiro durante a travessia de 4 dias até Porto Velho.
Vendo tamanha confusão, tanta gente a circular pelas estradas e a mota sempre a desligar no pára-arranca começo a ficar realmente preocupado. Pergunto a um motociclista se existe algum concessionário da Suzuki e ele respondeu sem hesitar: ”sim meu velho, me siga que eu levo-o lá”. Palavras sagradas!
Passados uns minutos e com muita chuva encima chego ao concessionário Arena Motos, gerido pelo Rodrigo, um jovem extremamente profissional com uma equipa extraordinária. O meu primeiro contacto foi com o Samuel, que proferiu estas palavras: “não fique preocupado, você está em casa, pode deixar tudo aqui que ninguém mexe”.
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Deixei o equipamento todo a confiança, inclusive a moto... (risos)
Tomei um cafezinho, troquei de roupa e depois de tudo tratado fizeram o obséquio de me levar até o hotel., que maravilha.
No hotel, negoceio o preço da melhor maneira e por fim oferecem-me as refeições durante a estadia.
Para quem viu o dia mal parado, correu melhor do que esperava.
Estou deslumbrado com a simpatia e a humildade destas pessoas, sempre muito atenciosas e disponíveis para ajudar.

Manaus

Na fronteira rumo ao Brasil.

Calculo de novo a rota. O GPS indica 327 km até Caracaraí. Pelas minhas contas devo fazer o percurso em 5 horas. Dizem que a estrada está ruim e com a chuva que tem caído, acredito que esteja mesmo má. Com a mota já carregada e bem acondicionada, decido abastecer no posto mais próximo aproveitando a benesse de ser “gringo”, isto é, tenho prioridade sobre todos aqueles que estão a imensas horas a espera de abastecer com a vantagem de poder encher além do depósito, os 2 jerricans de reserva, coisa impossível para os Venezuelanos e Brasileiros… tudo por culpa dos contrabandistas!
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Chego a fronteira e passada meia hora trato de resolver a exportação temporária do veículo. Está tudo a fluir com uma rapidez estranha e desconfio que algo irá acontecer… e aconteceu! O oficial despanchante não se encontra mas volta já… pode dar uma voltinha e aproveite para almoçar – diz o fiscal… Não importa, eu espero, não tenho pressa – respondo com a minha calma descontraída!
São 11.00 da manhã e só por volta das 15.00 é que aparece o malandreco… foi dar uma voltinha de bicicleta para aliviar o stress e eu a seca a 4 horas, mas não importa, não faz mal, não tenho pressa… tenho de esperar e não reclamar.
Já com tudo tratado pensei que ia demorar mais uma hora no raio-X, mas nem sequer me revistaram, ainda bem!
Inicialmente pensei parar em Caracaraí para pernoitar mas como o tempo reduzido, decido ficar em Boa Vista.
A estrada é regular com uma paisagem muito idêntica a La Gran Sabana, mas mais pobre, com muitas rectas sobre uma planície que apesar da hora tardia, ainda se encontrava escaldante.
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São 18.30 e o sol já baixou. Não encontro grandes dificuldades na chegada a cidade.
Boa Vista, inserida numa zona de floresta tropical é a capital do estado de Roraima, uns dos mais recentes estados do pais. Apesar das savanas em redor serem uma importante zona de criação de gado, a corrida ao ouro da década de 80 continua a impulsionar o progresso da região.
É uma cidadezinha bem projectada, bastante ampla, bem sinalizada e com uma população reduzida e muito afável. Não demorou nada e encontrei um alojamento barato e muito limpo, com uma coisa muito rara… água morna para o banho!
Depois de aparcar a moto no parque de estacionamento (com vedação eléctrica e alarme) tomo o meu merecido banho e preparo-me para jantar num restaurantezinho muito pacato, numa esquina próxima do hotel. Duas espetadas de frango foram suficientes para acalmar o meu estômago mas infelizmente tive de aturar um desgraçado que se sentou ao meu lado e esteve praticamente todo o jantar a zoar nos meus ouvidos… há tipos mesmo marados!
Aproveito e telefono para o Rodrigo, um brasileiro que encontrei na Venezuela vindo de uma concentração em Maturin. Convidou-me no dia seguinte para um churrasco em casa de um amigo que também está ligado a o tema das motos, mas noutra onda… Harley Davidson.
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Aceitei o convite sem hesitar. Chego a hora e ao sítio marcado, cumprimentamo-nos e dirigimo-nos para a “casinha” do tal amigo.
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Não era nada mais nem nada menos que uma fazenda espectacular situada na periferia. Fui acolhido de uma forma fantástica por um grupo muito unido pelo espírito “motoqueiro”. O churrasco estava divinal e a cerveja bem gelada.
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Só tive pena de não ter dado um mergulho na piscina, mas apesar disso, não deixou de ser um dia bem passado (risos). Obrigado a todos pelo convívio e pelas informações.
Rodrigo – pessoa educada e pacata, deu-me umas boas dicas para a viagem e aconselhou-me a ficar em Rorainopolis, 250 km para sul.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Santa Elena de Uairen… momentos especiais!

Acordo e olho para o relógio, 07,30 da manhã… decidi ficar mais tempo na cama. S. Elena está a uns 110 km e como a estrada é boa, aproveito e descanso um pouco mais.
O céu está um pouco coberto e a ameaça de chuva é mais que certa, por isso vou "pilotar" com casaco de inverno… risos! Praticamente tenho andado com o colete de protecção, que além de ser mais leve é sobretudo mais fresco.
Preciso de telefonar mas o telefone mais próximo está nos Rápidos de Kamoiran, uns 30 km no sentido contrário. Cheguei junto da cabine e infelizmente não há linha disponível e aproveito a paragem encher o depósito e para tomar um pequeno-almoço “indígena”, composto por um bom prato de sopa de carne, duas “arepas” com manteiga e uma empanada de carne mechada (carne desfiada estufada com pimentos e cebola), uma Guayaba e para finalizar, um cafezinho com leite ou “marrón”. Já com a barriga cheia regresso ao acampamento, carrego o equipamento e arranco para mais uma jornada, desta vez mais curta e com certeza, mais gratificante.



No caminho encontro esta grupo de Motards brasileiros vindos de uma concentracao em Maturim. Convidaram-me a tomar um copo quando chegar a Boa Vista... lá estarei!!



Marquei no GPS o ponto de chegada, Kamadac Tours Expeditions, gerido por Rawllins Gonzales, um guia que tive a felicidade de conhecer na América Central em Março do ano passado.

O GPS 276c da Garmin tem sido fiel e com toda a cartografia que descarreguei têm-me levado a todo lado sem margem de erro. Só é pena que tenha fundido o fusível de 1,5 v, o que impossibilita poder carregar o aparelho durante as viagens. Parei no ponto exacto a hora certa. Lá estava ele, a preparar a saída de um grupo para uma expedição de 6 dias para Roraima, uma montanha situada a nordeste de S. Elena, muito próxima da fronteira com a Guiana e com paisagens e vistas de cortar a respiração. Quando me viu ficou parvo, não contava comigo naquele lugar nem muito menos de moto. Disponibilizou prontamente a sua casa e depois da família toda apresentada e dos aposentos preparados, confeccionou com muito carinho um almoço de boas vindas, delicioso e substancial.


A hospitalidade de estas pessoas ultrapassou verdadeiramente as minhas expectativas e desde já agradeço no fundo do meu coração tamanha dedicação e cuidado. Um bem-haja para esta gente espectacular.
Conheci uma pessoa muito especial, considerado por Rawllins como primo-irmão chamado de Filberto, ou Filbert… eu chamo-lhe Fil e já lhe ensinei a falar um pouco de Português. Um Guyanes com ar tímido, atitude humilde mas bom conhecedor do local e guia com estatuto reconhecido.


Combinei com ele no dia seguinte voltar a La Gran Sabana e ele aceitou sem hesitar. Arrancamos cedo e levou-me a conhecer locais praticamente inacessíveis ao turista comum.


Tepuys, Merus, piscinas naturais, flora carnívora, povoações indígenas, o Jurassic Park (local inspirado para a obra prima do Spielberg)… enfim, uma infinidade de paisagens preciosas num dia muito bem passado e tudo a troca de uma boa amizade.


Drosera Roraimae (insectívoras)



Brochinia Reducta (carnívora)



Quebrada Pacheco



La Cortina - S. Francisco



Jurassic Park



A procura de "Gusanos"... ou minhocas para a pesca



Quebrada de Jaspe



O magnífico brilho natural do Jaspe



S.Francisco Yuruani


S. Francisco de Kumarakapay




Campanha eleitoral municipal



S. Elena de Uairén



S. Elena de Uairén

Aproveitamos as horas disponíveis do dia para fazer compras na “Linha”, isto é na parte Brasileira. Os produtos são consideravelmente mais caros mas com qualidade superior. Imaginem que no dia seguinte o governo montou um pseudo-mercado ao largo da praça, designado por “mercado socialista” (eu chamo-lhe mais Chavista) onde se pode adquirir em quantidades estritamente racionadas, frango, leite, ovos, farinha, açúcar e outros produtos de primeira necessidade, onde o infeliz povo precisa no mínimo de 6 a 8 horas numa fila, correndo o risco de não haver produtos no final da desesperante espera.



Encontrei de novo Lorenzo, o Basco que está a dar a volta ao mundo de bicicleta. Estivemos a jantar e trocamos umas boas dicas, foi uma excelente experiência. Conheci outro viajante com um projecto interessante http://www.triparountheworld.de/ Joachim von Loeben... vou-me encontrar com ele em Manaus.



Tenho pronto para arrancar e o espírito em alta para enfrentar os 250 kms que me separam de Boa Vista ou até Caracarai, no Brasil, mas o que mais me vai custar é despedir de esta gente maravilhosa. Hoje chegam os pais do Rawllins... cheira-me a churrasco!!!


Elys, Roxellian, Rawllins e Filberto... Muito obrigado por tudo!!